Cátedra de São Pedro:
Festa que celebra o Papado enquanto
Cátedra infalível que dirige o mundo
Plínio Correa de Oliveira
Os senhores sabem que Pio IX, um grande Papa do qual
temos uma relíquia indireta, — um pedaço de seu caixão mortuário, — e cujo
processo de canonização está introduzido [ foi beatificado por S.S. João Paulo
II em 3 de setembro de 2000 ], teve um primeiro período de seu governo
considerado liberal. Não que ele tivesse defendido algum erro doutrinário do
liberalismo em seus documentos, mas tomou uma série de medidas tidas como
liberais (*).
De tal maneira que na Itália daquele tempo, — dividida
pitoresca, proveitosa e eficientemente em pequenos reinos, principados e
cidades livres, — que pendia para a unificação, os independentistas que queriam unificar a Itália, davam um brado
revolucionário pelas ruas para ligar e atrair a uma ação comum os anarquistas e
os afilhados da seita de Mazzini: “Viva Pio IX!".
Este brado recrutava nas ruas a fina flor dos
lazzarones, dos sem vergonha, dos revolucionários, da máfia, da camorra e de
tudo o mais que queiram, na luta contra aqueles pequenos tronos cujo
desaparecimento hoje lamentamos.
Nessa situação difícil, em que um Papa era
transformado em símbolo da Revolução, vivia o grande santo D. Bosco. Nos
colégios de D. Bosco penetrava também o brado “Viva Pio IX”. E um ou outro
desses alunos, que os senhores podem imaginar de que jeito eram, gritavam “Viva
Pio IX” no meio do recreio. O brado de revolta.
Dom Bosco teve então uma atitude, que foi a seguinte:
“não gritem ‘Viva Pio IX’, gritem ‘Viva o Papa’!” (**) É a saída soberanamente
inteligente, porque "Viva o Papa" a gente deve gritar sempre. Isto
está no processo de canonização de D. Bosco e não impediu que fosse canonizado
nem que sua obra fosse abençoada pela Providência de todos os modos.
Na raiz disso está uma distinção muito importante: a
distinção entre o Papa e o papado; entre a pessoa do Papa, sujeita às misérias
humanas, sujeita também a erros onde não é amparado pela infalibilidade e, de
outro lado, a instituição, que é inteiramente distinta da pessoa. E se é
verdade que de vez em quando se grita: “viva fulano” e às vezes se cala e às
vezes se chora, e sempre se reza, há um brado que se dá sempre, e este brado é
"Viva o Papa"!, "Viva o Papado"!
É por causa disso que a festa que vai ser celebrada
hoje, a festa da Cátedra de São Pedro, é uma festa extremamente oportuna,
porque ela celebra o Papa enquanto mestre, ela celebra o Papado enquanto tendo
uma Cátedra infalível que se dirige ao mundo e que esta é, de fato infalível. E
é portanto a infalibilidade do Papa, por assim dizer, é a ortodoxia, aquilo em
que o Papado não erra nunca, que é o objeto dessa celebração de hoje.
Sabemos que da Cadeira de São Pedro conservou-se quase
toda a estrutura, guardada na Igreja de São Pedro, em Roma. Na “Glória” de
Bernini existe uma Cátedra de bronze, oca, que de vez em quando se abre e que
contém dentro um banquinho, que é considerado como tendo sido a cadeira de São
Pedro.
A festa da Cátedra de São Pedro tem em vista este
objeto, mas tem, muito mais do que esse objeto, em vista o fato de Roma ser a
Cátedra de São Pedro, e o fato de Nosso Senhor Jesus Cristo ter dado a São
Pedro uma Cátedra infalível, e o fato dessa Cátedra governar a Santa Igreja
Católica Apostólica e Romana. É, portanto, esse fato que se celebra no dia de
hoje.
Na nave central da Basílica de São Pedro há uma
imagem, preta, de material escuro, que representa o Papa. É São Pedro, com as
chaves na mão, sentando numa cátedra e com o pé à altura dos lábios dos fiéis.
E todos os peregrinos que vão a Roma passam por lá e osculam o pé de São Pedro.
O resultado é que com o ósculo mil e mil vezes repetido, o pé de São Pedro está
até desgastado. Acho que é o único exemplo na história em que ósculos destroem
bronze.
E o bonito é que no dia da festa do Papa — parece-me
que no aniversário do Papa, em todo o caso no dia de São Pedro, — essa imagem é
revestida com os ornamentos pontificais. De maneira que ela tem tiara, tem
tudo, fica vestida como se fosse um Papa vivo, para indicar a magnífica e
evidente solidariedade e continuidade que vai de São Pedro até o Papa de nossos
dias.
Nós o que devemos fazer hoje? Em espírito, oscular o
pé dessa imagem. Quer dizer, em espírito oscular o Papado, em espírito oscular
esse princípio de sabedoria, de infalibilidade da autoridade que governa a Igreja
Católica. E, por meio de Nossa Senhora, agradecer a Nosso Senhor Jesus
Cristo a instituição da infalibilidade desta Cátedra, que é propriamente a
coluna do mundo; porque se não houvesse infalibilidade, o mundo estava
completamente perdido, a Igreja destroçada e com ela o mundo perdido. E também o
caminho para o céu. Porque os homens não encontrariam o caminho para o céu se
não houvesse uma autoridade infalível para governar.
Entretanto, uma coisa que devemos lembrar é o
seguinte: a fidelidade à cátedra não se confunde inteiramente e sob todos os pontos
de vista com a aceitação incondicional do que faz a pessoa. Nosso Senhor Jesus
Cristo faz uma distinção entre a cátedra e a pessoa. Embora o catedrático seja
ele e os poderes da cátedra residam nele, nem tudo nele é cátedra, e não
podemos imaginar a Igreja como ela não foi feita por Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Igreja foi feita por Nosso Senhor Jesus Cristo de maneira a ser assim. (***)
Com a cátedra ou com o catedrático? Com a cátedra, até
morrer, notando sempre que a cátedra nunca está fora do catedrático. E que
portanto não se pode ter uma fidelidade abstrata ao papado, que não seja
fidelidade concreta ao Papa atual, em toda medida em que ele é infalível e tem
o poder de governar e reger a Igreja Católica.
(*) Para uma informação mais detalhada deste
assunto ver, por ex., a matéria publicado por "Catolicismo" na edição
de Janeiro de 1992, "Pio IX e Metternich".
(**)
Ver "I sogni di Don Bosco", escrito por Eugenio Pilla, publicado pela
editora Cantagalli, Siena, 2004, 4a. edicao, pag. 104
(***)
Uma explicação mais detalhada deste ponto pode ser encontrada no livro "As
CEBs... Das quais muito se fala, Pouco se conhece - a TFP as descreve como
são", de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e de Gustavo Antonio
Solimeo e Luiz Sérgio Solimeo, na parte I, Cap. III - A intelecção deformada do
tríplice "sentire" ( "cum Romano Pontifice", "cum
Episcopo", "cum Parocho").