Tendo em
vista o “Processo de Autodemolição” e a “Fumaça de Satanás”, os católicos
desejam uma coisa: CLAREZA
A revista Catolicismo
deste mês (edição nº 747), publica um
luminoso artigo de Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) que — como o leitor
certamente perceberá — está impressionantemente vinculado aos acontecimentos da
época atual de Sé Vacante[1]. Como se sabe, é o interregno iniciado no dia 28
último, com a renúncia de Bento XVI, e que se encerrará quando for escolhido
seu sucessor.
Apesar de
ser um artigo que veio a lume há 35 anos (publicado na “Folha de S. Paulo” em
16-8-78), o autor, como afirma a revista, às vésperas de um novo Conclave[2], “poderia
levantar em linhas gerais as mesmas perguntas nele formuladas, para as quais
todos os católicos desejariam respostas claras”.
A seguir
transcrevemos tal matéria, que o eminente líder e pensador católico escreveu às
vésperas do Conclave de agosto de 1978, que elegeu o Papa João Paulo I.
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[1] Sé Vacante — do latim “Trono Vazio”.
[2] Conclave — do latim cum clave, que significa com chave. É a reunião fechada dos Cardeais na Capela Sistina para a eleição do Romano Pontífice.
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[1] Sé Vacante — do latim “Trono Vazio”.
[2] Conclave — do latim cum clave, que significa com chave. É a reunião fechada dos Cardeais na Capela Sistina para a eleição do Romano Pontífice.
CLAREZA
Plinio Corrêa de Oliveira
Plinio Corrêa de Oliveira
Nesta época em que o público tem tanta influência
até mesmo nos círculos mais reservados — nesta época em que tanta gente
confunde público com publicidade, e imagina candidamente que a face da
publicidade exprime sempre a do público — nesta época, enfim, em que tantas
vezes um público átono, adormecido, deixa correr os acontecimentos sem entender
o clamor publicitário, nem a conduta dos homens públicos, frequentemente
hipersensíveis a tal clamor, pergunto: será real que as multidões veem e sentem
as coisas como as apresentam tantos dos chamados meios de comunicação social?
No tocante ao Brasil, como à
Igreja, sou levado a responder pela negativa. Deixo aqui de lado o Brasil, pois
assim o manda o amor à brevidade. E passo a falar da Igreja. Da Igreja, sim,
nestas vésperas de Conclave.
* * *
Diante do caudal de nomes de
candidatos ao Papado que lhe vão sendo apresentados, o povo não quer saber
tanto qual o lugar de origem, a idade e a carreira eclesiástica, nem qual a
fisionomia deles (fisionomia que cabe, o mais das vezes, em uma das variantes
em curso: jovial-risonha, caridosa-tristonha, desgrenhada-frenética, esta última
ainda não em voga para cardeais).
O que o povo quer saber se reduz
a esta pergunta principal: Paulo VI anunciou que a Igreja estava sendo vítima
de um misterioso “processo de autodemolição” (Alocução de 7-12-68) e que
nela penetrara a “fumaça de Satanás” (Alocução de 29-6-72). O
falecido Pontífice — ante cujos restos mortais me inclino aqui com a devida
veneração — partiu, pois, para a eternidade com a autodemolição em curso, e
a fumaça de Satanás em expansão.
O que pensará seu sucessor sobre
a autodemolição e a fumaça? Como se conduzirá ante uma e outra? Mil outras
questões poderiam ser formuladas acerca do novo Papa. Mas as que acabo de
considerar primam sobre as demais. Pois quem navega numa barca em meio à pior
fumaça, e em companhia de passageiros que vão desconjuntando o madeirame, se
interessa de imediato e principalmente em saber o que vai ser feito a
respeito da fumaça e dos demolidores da barca. Ora, a Santa Igreja de Deus
é a admirável, a nobilíssima, eu quase diria, a adorável Barca de Pedro. É
natural que tais perguntas, se as formulem, nestes dias, também os passageiros
desta Barca.
São incontáveis os católicos
segundo os quais a fumaça e a autodemolição se identificam, a justo título, com
duas grandes tendências existentes na Igreja de nossos dias. Uma destas
tendências se desenvolve no plano teológico, filosófico e moral. É o progressismo.
A outra tendência se desenvolve
no tríplice plano diplomático, social e econômico. Ela se chama, segundo o
ângulo em que é considerada, aproximação com o Leste, aproximação com o
socialismo e aproximação com o comunismo.
Se considerarmos que o
progressismo é, por sua vez, uma aproximação com os mil aspectos do que se
convencionou chamar “mentalidade moderna” (a qual é, até certo ponto,
uma ficção a que poucos homens aderem inteiramente, muitos só aderem com
restrições e em proporções acentuadamente variáveis, e que não poucos
rejeitam), chegamos à conclusão de que o futuro Papa terá seu pontificado
essencialmente marcado pela atitude que tomar diante disto que podemos
qualificar de dupla aproximação: a) a
mundano-publicitária-progressista; b) a socialo-comunista.
Desculpe-me o leitor os
neologismos. Talvez conviesse compô-los de outra maneira. Apresentam-se-me ao
correr da pena, e me servem para exprimir fácil e rapidamente o que quero
dizer. Poupam, assim, o tempo do leitor, como o meu. Em nossa época, a pressa
obtém indulgência para muitas deselegâncias…
O que pensam dessas aproximações
os múltiplos cardeais cujos nomes vão sendo lançados como “papabili”? Como vê
cada um deles as correntes rumo às quais esses movimentos de aproximação os
convidam? Como hidras que é preciso abater desde logo com o gládio de fogo do
Espírito? Como adversárias inteligentes, dúcteis, e talvez um pouco bobas, com
as quais é possível conduzir lentas, cômodas e quiçá até cordiais negociações?
Como parceiras em uma coexistência, ou mesmo colaboração perfeitamente
aceitável, e por alguns lados até simpática? Estas são, entre mil, as perguntas
que a maioria dos passageiros da sacrossanta Barca de Pedro gostariam de fazer
a cada “papabile”.
E para estas perguntas, que
pairam no ar, o mais das vezes não vejo em torno de mim senão fragmentos de
respostas, opacos, viscosos, totalmente insatisfatórios.
Ora, queiram ou não queiram,
quando do alto da loggia de São Pedro [foto] for proclamado o nome do
novo Papa, e o consueto clamor de alegria se levantar da imensa praça
circundada pelas colunatas berninianas, ao mesmo tempo uma muda mas ansiosa
interrogação se apresentará aos espíritos. Será o novo sucessor de São
Pedro, ante os promotores das aproximações, um batalhador, um negociador, ou um
ajeitador?
E ele, em quem residirá o
excelso poder das chaves, cujas decisões são soberanamente independentes dos
juízos dos homens, mas cuja missão pastoral não o poderá deixar indiferente às
aspirações e necessidades das ovelhas, se perguntará, na hora solene da sua
aclamação: qual das três atitudes espera de mim este povo imenso?
Enquanto aguardamos, na prece
ininterrupta, submissa e confiante, esse momento ápice do primeiro encontro
estuante de júbilo e carregado de preocupações, resta-nos perguntar: o que
deseja a grei fiel?
Vários, é bem claro, têm sua
preferência definida por um papa que tome inteiramente esta ou aquela das
atitudes, ante a dúplice aproximação. Classifico-me, todos o sabem, entre os
que exultariam com a escolha de um papa combativo como São Gregório VII ou São
Pio X. Outros preferem nitidamente um papa “aproximacionista”, como foi em seu
tempo Pio VII. E assim por diante.
Mas a imensa maioria dos fiéis,
o que desejará ela?
À primeira vista, parece
apática. Tal apatia será desinteresse? Não o creio.
O que será então? A meu ver, é a
expressão do concerto respeitoso, e por isso mesmo silencioso, de quem não
entende, não concorda e nem ousa discordar.
Essa imensa maioria, em cujo
silêncio me parece discernir traços óbvios de fadiga, angústia e desânimo,
deseja de imediato, e antes de tudo, clareza.
Sim, ela deseja, num
silêncio que se vai tornando enfaticamente perplexo, saber sobretudo o que é
esta fumaça, quais são os rótulos ideológicos e os instrumentos humanos que
servem a Satanás como sprays de tal fumaça, no que consiste a demolição, e como
explicar que esta demolição seja, estranhamente, uma autodemolição?
Não é o que o senhor gostaria de
saber, leitor? A senhora, leitora? Pois eu também. E como nós, milhares,
milhões, centenas de milhões de católicos.
E o que há de mais justo, de
mais lógico, de mais filial e de mais nobre do que pedirem os filhos da luz,
àquele a quem foi dito: “Tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja”, pedirem-lhe clareza?
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