Para os que Creem e para os que não Creem
Estamos novamente no Natal. Muitos enfeites,
muitas luzinhas, muita gastança, muitos papais noéis.
A única coisa escassa é a presença
daquEle que dá sentido ao Natal, o Menino Jesus, nosso Salvador e Redentor.
Quais as pessoas que ainda sabem quem
Ele é? Todos Lhe pedem consolações, bens materiais, paz. Quem Lhe oferece seu
amor, seu coração, sua fidelidade?
E, no entanto, Ele, embora tão doce e
acessível na manjedoura, será o Juiz que dará a cada um de nós uma sentença
eterna de prêmio ou de castigo! Isso é sério!
O pecado está por toda parte e a
maioria vai, aos poucos, deixando de crer, por culpa da sociedade atual e da
infeliz situação de muitos clérigos, por missão, guardiães da Fé e da moral.
Para firmar ainda mais na Fé aqueles
que creem no Menino Jesus e para fortalecer a Fé dos incrédulos, recomendo a
magnífica ficha abaixo, onde o leitor poderá ver o exemplo de uma autêntica Fé.
Preparemo-nos porque nosso futuro
poderá ser mais difícil do que o da narração, mas a vitória mais espetacular.
VEM MENINO JESUS!
O Padre Norberto, testemunha da insurreição de Budapeste em 1956, fora um
dos últimos fugitivos a chegar ao campo de refugiados húngaros. O seu aspecto
revelava ainda as privações, as insônias e as provas terríveis por que passara.
Tinha as feições crispadas e endurecidas, e nos seus olhos havia uma expressão
de fria revolta. Olhando-o, compreendi o choque psicológico que a derrota lhe
causara.
Ele chegava da fogueira horrível onde se
queimara a seiva ardente de almas sedentas de liberdade e de independência. Nós
éramos os que, na retaguarda, nada tínhamos feito. Como começar? Como
interrogá-lo? Como quebrar esse ressentimento hostil, que o seu rosto nos
transmitia? Tateando, eu lhe fiz meu pedido:
— Conheço a tragédia que lhe esmagou a
alma, e não quero reavivá-la. Mas peço-lhe que me fale da resistência
espiritual do povo húngaro, da sua vivência, a despeito da derrota...
Transcrevo a seguir, com suas próprias
palavras, o depoimento do Padre Norberto.
Vivi horas de esperança e de terror, mas
o que mais me impressiona não é o sacrifício heroico dos adultos, e sim a
coragem, a resistência das crianças, a grandeza das suas atitudes e das suas
palavras. Dão lições aos grandes, e em seguida permanecem pequeninos, simples,
humildes.
Na escola da paróquia da qual fui
expulso deu-se um fato surpreendente. O que aconteceu não poderia ser a
alucinação coletiva de trinta e duas crianças e da sua professora, mas tem que
ser aceito como um fato.
Gertrudes, a professora da escola, era
uma ateia militante. Todas as suas lições giravam em torno da impiedade e da
negação de Deus. Tudo lhe servia para denegrir, ridicularizar ou conspurcar a
nossa Religião. O seu programa de ensino era simples: arrancar da alma das
crianças a fé e formar legiões de pequeninos "sem Deus". As crianças,
intimidadas, não ousavam defender-se. No entanto, as suas famílias eram
católicas e profundamente crentes nas suas práticas religiosas.

Eu era o cura da igreja paroquial, e
reunia essas crianças para as lições do catecismo. Na Hungria, como nos outros
países além da "cortina de ferro", o ensino é assim: na família, na
igreja, luta-se para que a crença não se perca, mas nas escolas semeia-se e
impõe-se o ateísmo. Como pode sustentar-se a criança, nessa situação tão
difícil e díspar? É então que a graça se manifesta e ampara as criancinhas.
Mesmo intimidadas, elas não se deixavam
convencer com as zombarias que a mestra lhes fazia. Por meu lado, eu lutava
para destruir no espírito delas qualquer má semente que tentasse germinar, e as
fazia frequentar os sacramentos. Coisa curiosa: Gertrudes, a professora,
parecia adivinhar quais as alunas que tinham comungado, e eram essas as mais
perseguidas. Certamente alguém espiava e lhe indicava as crianças... Mas a
denúncia não vinha destas, sempre unidas e leais.
Na quarta classe havia uma menina de dez
anos, chamada Ângela. Muito inteligente, muito bem dotada, era a melhor aluna
da classe e da escola. As condiscípulas não invejavam a sua superioridade,
porque ela tinha um coração de ouro e estava sempre pronta a ser prestativa.
Um dia, veio pedir-me licença para
comungar diariamente. Perguntei-lhe:
— Tu sabes a que te expões?
Ela riu-se, numa expressão alegre, e
respondeu:
— Senhor Padre, a mestra não conseguirá
apanhar-me em falta, asseguro-lhe, e trabalharei melhor. Não me recuse o que
lhe peço. Nos dias em que comungo, sinto-me mais forte. O Senhor Padre disse-me
que eu devo dar bons exemplos. Para os dar, preciso de sentir-me forte...
As investidas contra Ângela revestiam-se
de crueldade. A mestra esquecia o programa escolar, para espalhar em toda a
classe as manhas dos "sem Deus". Ângela lutava sozinha, e nem sempre
sabia defender-se. Então ficava de pé, muda, a cabecinha curvada, o peito cheio
de soluços, que vinham morrer-lhe na garganta. Sua fé continuava
inquebrantável, mas como podia aquela criança defendê-la, ante a perversidade
daquela mulher?
Pouco antes do Natal, no dia 17 de
dezembro, a professora inventou um estratagema cruel, com o qual pretendia dar
um golpe mortal nas "superstições ancestrais" que infestavam a
escola. E preparou a cena com todo o entusiasmo. Naturalmente, a pobre Ângela
foi a vítima escolhida. Com voz doce, a professora a interrogou:
— Dize-me, minha pequena: quando os teus
pais te chamam, o que fazes?
— Vou imediatamente — respondeu Ângela
com timidez.
— Muito bem! Tu ouves chamar e vais
logo, como filha bem educada e obediente. E se teus pais chamarem um
limpa-chaminés, o que acontece?
— Ele vem — respondeu Ângela. O seu
coraçãozinho pulava desordenadamente. Pressentia uma cilada, mas não sabia qual
seria.
A professora tinha uma expressão falsa,
traiçoeira, os olhos brilhavam como os de um gato que brinca com um ratinho.
Mais tarde as alunas contaram-me também:
— Sentíamos medo. Ela tinha o ar tão
mau, tão mau!...
O interrogatório continuou:
— Muito bem! Muito bem! Tu vens porque
existes. O limpa-chaminés vem, porque existe. Ele existe!
Após um breve e deliberado silêncio, ela
prosseguiu:
— Mas supõe agora que teus pais chamam a
tua avó, que já morreu. Ela vem?
— Não, não pode vir...
— Bravo! Muito bem! E se eles chamarem o
"Barba-Azul", ou a "Princesa de pele de burro"? Tu conheces
essas histórias. Dize-me: eles vêm?
— Não, não vêm, porque só existem nas
histórias.

Ângela ergueu os olhos para a mestra e
baixou-os logo. Sentiu que o olhar dela a transpassava, lhe fazia mal. Mas o
diálogo continuou:
— Esplêndida resposta! Parece que hoje
estás mais esperta... Reparem, minhas filhas, reparem todas: os vivos, os que
existem, respondem quando os chamam. Os outros não respondem, não vêm, porque
não estão vivos ou porque não existem. Compreendem, não é?
— Sim! — responderam em coro.
— Agora vamos fazer uma pequena
experiência — e voltando-se para Ângela, ordenou-lhe: — Sai, minha filha.
A garota hesitou. Depois levantou-se do
banco, saiu, e a porta fechou-se pesadamente sobre a sua figurinha miúda.
— Agora, meninas, chamem-na!
— Ângela! Ângela! — gritaram trinta
vozes de garotas, convencidas de que estavam participando de uma brincadeira,
um jogo que as divertia. Ângela entrou, intrigada, sem saber o que pensar. A
professora preparava-se manhosamente para saborear os frutos do seu
maquiavélico plano.
— Afinal, estamos todas de acordo.
Quando chamamos aqueles que vivem, que existem, eles vêm. Quando chamamos os
que não existem, eles não podem vir. Ângela está aqui, viva, em carne e osso,
ouviu que a chamamos e veio ter conosco. Suponhamos que chamássemos o Menino
Jesus. Parece que há entre vós quem acredite nele...
Houve um silêncio, de medo talvez. E
aquelas vozes tímidas responderam:
— Acreditamos!
— E tu, Ângela, crês que o Menino Jesus
te ouve, quando o chamas?
Ângela sentiu-se bruscamente
esclarecida. Eis a cilada que ela pressentira, mas da qual desconhecia a
perversidade, e respondeu com ardente fervor:
— Sim! Creio que Ele me ouve!
— Muito bem! Façamos a experiência: as
meninas viram que Ângela, quando a chamávamos, veio imediatamente. Se o Menino
Jesus existe, Ele ouvirá que O chamam. Gritem todas, ao mesmo tempo e com
força: "Vem, Menino Jesus!" Vamos! Um, dois, três! Vamos! Chamem!
As crianças baixaram as cabecinhas. Um
silêncio pesado, angustioso, desceu sobre elas. Gertrudes soltou uma gargalhada
prolongada, diabólica:
— Vamos! Eu quero que vocês O façam vir!
Quero que me provem que Ele existe!... Ah! Não se atrevem a chamá-lo, porque
sabem que o vosso Menino Jesus não virá!... E sabem por que não vem? Porque Ele
não existe, não ouve, é como o "Barba-Azul", como a "Princesa de
pele de burro", que são apenas mitos, histórias para as velhas contarem
nos serões. Histórias que ninguém toma a sério!...
Intimidadas, as garotas continuavam
caladas. Mas os argumentos da mestra as tinham impressionado, ferido em pleno
peito. É preciso desconhecer a psicologia infantil, para não avaliar a angústia
dessas crianças ante a argúcia duma mulher experiente e malévola, que executava
um plano preconcebido. Em algumas a dúvida surgia, como me confessaram mais
tarde.
— Sim! — insistia a mestra — se Ele
existe, por que não vem?
Ângela continuava de pé, pálida como uma
morta. As suas companheiras receavam, ao vê-la assim, que caísse ao chão. A
professora saboreava a aflição das alunas. Enfim, triunfava e esmagava a fé
naquelas pequeninas almas...
De repente, o imprevisto se deu. De um
salto, Ângela atirou-se para o meio da sala. Nos olhos, tinha um clarão de
esperança confiante. Olhou em volta e gritou:
— Ouçam-me! Vamos chamá-lo! Gritemos
todas: "Vem, Menino Jesus!".
Num instante, todas se puseram de pé,
com as mãos erguidas numa prece, os olhos brilhantes, os corações a pulsar numa
imensa esperança. Num uníssono vibrante, as suas vozes se ouviram:
— Vem, Menino Jesus!
A professora não esperava esta súbita
reação. Instintivamente recuou, com os olhos fitos em Ângela. Um silêncio
profundo se seguiu, pesado como uma lenta agonia. Depois, de novo se ouviu aquela
vozinha de cristal:
— Vamos! Chamemos mais! Gritem muito
algo!
E um clamor forte, imenso, capaz de
transpassar as paredes, vibrou:
— Vem, Menino Jesus! Vem, Menino Jesus!
O medo, a dúvida, por um momento
jugulados, podiam renascer, mas o sentido da camaradagem deu o impulso que as
reuniu em torno daquela que se revelava "chefe" e esperava o milagre.
Tinham os olhos fitos, não na porta, por onde poderia entrar o Menino, mas na
parede branca, em que se destacava a figurinha de Ângela, e continuavam a
repetir:
— Vem, Menino Jesus!
Nesse instante a porta abriu-se sem
ruído, e as crianças pensaram que toda a luz do dia entrava por ela. Era uma
claridade intensíssima, que crescia, crescia, como a chama violenta dum enorme
fogo. No meio desse clarão, um globo cheio de luz.

O medo invadiu-as, mas nem
tiveram tempo para gritar ou fugir: o globo abriu-se e apareceu um Menino lindo
e risonho, como nunca tinham visto. O Menino sorria sem proferir uma palavra, e
todas sorriram também, tranquilas e contentes. Algumas garotas esfregavam os
olhos, para melhor contemplarem o Menino vestido de luz, outras olhavam-nO de
olhos espantados, sem pestanejarem. O Menino sorria, não falava, sorria para
todas.
Depois o globo fechou-se, de mansinho, e
desapareceu devagar. A porta cerrou-se sem que ninguém lhe tocasse, e as
crianças emocionadas, os coraçõezinhos inundados de felicidade, sem uma palavra
abraçavam-se, a chorar de felicidade. O Menino as ouvira! O Menino viera!
Que tempo durara a aparição? Uns
instantes? Uma hora? Cada criança calculava a seu modo, ao testemunhar a
aparição do Menino. Todas diziam: "Estava vestido de branco, e parecia um
sol pequenino".
As crianças olhavam ainda a porta.
Subitamente, um grito agudo quebrou a emoção desse silêncio. Aterrada, olhos
esgazeados, braços estendidos, mãos enclavinhadas, a professora gritava como
louca:
— Ele veio! Ele apareceu!
Em seguida fugiu, batendo com força a
porta.
Ângela mexeu-se, enfim, como quem
desperta dum sonho:
— Vocês viram?
— Sim, vimos!
— Ele é que trazia a luz — dizia uma.
— A luz do dia é negra, comparada àquela
claridade — acrescentava outra.
— Vocês viram? — repetia Ângela — Ele
existe!...
O mundo inteiro já conhece este fato.
Mas agora devo dar o epílogo. A Sra. Gertrudes deu entrada num manicômio. O
cérebro ressentiu-se do tremendo abalo que sofreu, e não cessava de repetir:
"Ele veio! Ele veio". Tentei visitá-la. Em vão, pois recusam
absolutamente entrada aos padres nas casas de alienados. É que são freqüentes
os casos de obsessão religiosa... Os profanadores de igrejas, em geral, acabam
loucos. Todos os dias, ao celebrar a Missa, rezo por ela e por todos...

(trechos de: Maria Minovskca, in
"Magnificat", Ano XVI, Nº 2, fevereiro/março de 1966 - Braga,
Portugal)